O naufrágio mais famoso da história completa 100 anos na noite do dia 14 para o dia 15 de abril. Símbolo de megalomania, mas também de muita imprudência, o Titanic pode ensinar uma série de lições sobre investimentos. Formado em engenharia naval e fascinado pela história do transatlântico, o diretor técnico da Apogeo Investimentos Paulo Bittencourt, transformou 7 lições do mar em parábolas para investidores.
1. Não confie demais na tecnologia – ou em si mesmo
Os transatlânticos eram o que havia de mais moderno na virada no início do século XX. O Titanic era considerado um navio insubmersível. Seus dezesseis compartimentos no casco contavam com um sistema de portas à prova d’água, e acreditava-se que era possível manter a embarcação em curso com até quatro compartimentos inundados. Mas por artimanha do acaso, na hora da colisão o iceberg rasgou cinco desses compartimentos, levando o navio a pique.
A alta confiança na tecnologia levou o projetista e a tripulação do Titanic a atos de grande imprudência: havia 20 botes salva-vidas a bordo, suficientes apenas para metade dos passageiros. Por que tão poucos? Porque em caso de acidente, acreditava-se que o navio apenas ficaria abalado, mas incapaz de afundar. Os botes eram uma garantia, mas por meio de outro instrumento tecnológico – o telegrafo sem fio – seria possível acionar o resgate, dispensando seu uso.
Confiar excessivamente no próprio taco é arriscado – o investidor pode tomar riscos desconhecidos, concentrar demais seus investimentos ou agarrar-se a uma má decisão por pura teimosia. Informação, prudência e humildade para mudar de ideia contam muito mais para o sucesso.
Outra manobra arriscada é confiar demais na tecnologia. Hoje já existem operações de alta frequência para o investidor individual, home brokers e plataformas de negociação para celulares, mas não se torne excessivamente dependente desses produtos. “Às vezes você precisa se desfazer de uma posição naquele exato momento, como ocorre no mercado de opções ou com quem faz operações de day trade. Mas você pode perder a conexão do seu celular e com isso perder dinheiro”, lembra Paulo Bittencourt.
2. Observe o contexto por trás dos acontecimentos
Quando o Titanic foi construído, Inglaterra e Alemanha viviam uma disputa econômica que envolvia indústria, tecnologia e a conquista de novos mercados – polarização que culminaria na Primeira Guerra Mundial em 1914. Tal concorrência contaminou o mercado de transporte de passageiros então em expansão, inclusive por meio de demonstrações de força. Exibir tecnologia, ser o mais veloz, fazer o trajeto entre a Europa e os Estados Unidos em menos tempo, tudo isso fazia parte da competição. “Não era só uma questão de ganho econômico, era também uma questão de sobrepujar o outro”, diz o diretor técnico da Apogeo.
Além disso, transatlânticos como o Titanic poderiam ser usados em um eventual conflito armado. “Inclusive seu irmão, o Olympic, foi utilizado na Primeira Guerra”, diz Paulo Bittencourt. Finalmente, a legislação britânica da época permitia que um navio como o Titanic zarpasse sem botes salva-vidas suficientes para acomodar todos os seus mais de 2.000 passageiros.
Na ocasião da viagem inaugural do Titanic, mais de 1.500 pessoas caminharam desavisadamente para a própria morte. A queda-de-braço entre Inglaterra e Alemanha, a legislação permissiva e a excessiva confiança na tecnologia tiveram um enorme custo social. Quem sabe se, conscientes desses fatores, alguns passageiros não tivessem desistido de subir a bordo?
“Observe o contexto por trás dos seus investimentos”, aconselha Paulo Bittencourt. Ao aplicar o seu dinheiro, procure compreender o máximo possível do contexto macro e microeconômico, e não apenas olhar o retorno passado. “Estamos vivendo um cenário de inflação alta, sem perspectivas de queda? Escolha produtos que tragam benefícios nesse cenário – fundos de dividendos, compostos por papéis de empresas dos setores de energia e serviços, e títulos atrelados à inflação”, exemplifica.
3. Mude de rota quando necessário
Mesmo com sua vasta experiência, o capitão Edward Smith ignorou os avisos telegráficos que anunciavam icebergs em sua rota e permaneceu nela. “As pessoas às vezes ficam ancoradas em um investimento, mesmo que os sinais externos indiquem que ela deve mudar de aplicação”, diz Paulo Bittencourt. É o caso do sujeito que continua comprando um tipo de ativo mesmo depois de uma enorme alta que poderia ser aproveitada para a realização do lucro. Ou então daquele indivíduo que não consegue se desfazer de um investimento perdedor.
“Um bom comandante não segue uma rota às cegas. Ele reavalia o trajeto ao longo da viagem e se reúne com seus imediatos em situações de dúvida. Não seja turrão quando as informações que chegarem forem contrárias ao que você esperava. Reavalie a sua carteira e a proporção de cada ativo que a compõe”, orienta o especialista.
4. Tenha botes salva-vidas suficientes
Desnecessário dizer que o erro do Titanic mais fácil de evitar foi a insuficiência do número de botes salva-vidas a bordo. Nada na vida é 100% seguro – especialmente o mar e o mercado financeiro. O investidor deve se proteger ou fazer hedge, no jargão do mercado. Não opere ou invista em fundos alavancados, tenha uma parte da sua carteira em investimentos de liquidez imediata – como fundos DI, fundos de renda fixa e CDBs –, diversifique e proteja seu poder de compra da inflação e das oscilações cambiais.
Para Paulo Bittencourt, operar alavancado é apenas para quem tem um grande patrimônio e pode destinar uma diminuta parte dele para este fim. “De um milhão de reais, usar 30.000 reais para tomar esse risco”, exemplifica. Já para proteger o poder de compra, ele dá os exemplos dos títulos públicos atrelados ao IPCA – as NTN-B – e os fundos de dividendos, que investem em empresas que ajustam seus preços de acordo com a inflação.
Para quem tem planos no exterior, aplicar em um fundo cambial a quantia de que você vai precisar no futuro e antecipar o máximo de despesas possível – como a compra da passagem, em caso de viagem – ajudam a proteger a moeda contra uma eventual alta do dólar.
5. O mercado é como o oceano: imprevisível
Mesmo avisada de que havia icebergs na rota, a tripulação do Titanic não conseguiu avistá-los até que estivessem próximos demais para um desvio. Saber o que ia acontecer não foi suficiente para que os tripulantes pudessem prever com exatidão os acontecimentos daquela madrugada. Existem dados históricos sobre os mares, e quem navega sabe que cada oceano tem um tipo de comportamento. Ainda assim, não é possível saber com precisão como o mar vai estar daqui a dois meses.
Um navegador ou mesmo um pescador experiente é capaz de prever razoavelmente bem como o mar vai se comportar de acordo com o vento e o clima no curto prazo. Mas não no médio e no longo prazo. O mercado é como o oceano: temos estimativas de especialistas – os navegadores – e probabilidades. Um bom navegante estuda sua rota, a época do ano e o comportamento histórico do oceano, mas deve estar preparado para as tempestades, icebergs e eventos imprevisíveis.
6. Leia a sua carta náutica: o prospecto
As cartas náuticas reúnem as experiências de todos os navegadores que estudaram as rotas por elas retratadas. Nesses mapas estão indicadas as regiões de correnteza, as montanhas submarinas e as diferentes profundidades. São como os prospectos dos fundos e das emissões de ativos. O bom navegador jamais dispensa a carta náutica da rota que pretende traçar, pois ela é sua guia. O prospecto diz ao investidor tudo que o fundo pode ou não fazer, ou ainda os objetivos de determinada captação, além de elencar e explicar os riscos.
7. Escolha um capitão experiente
Nos navios mais antigos, a cabine do capitão era repleta de instrumentos de navegação, como a bússola, o astrolábio e o sextante. Com o tempo, esses objetos deram lugar a monitores e telas que informam ao comandante sobre as condições do céu e do oceano, eventuais obstáculos, sua posição geográfica e o estado do navio.
A mesa de operações de um gestor até lembra a cabine do capitão. As informações nas telas ajudam o profissional a se ater ao que determina o prospecto do fundo que está sob sua responsabilidade. A experiência do comandante – o fato de ter navegado em águas calmas ou revoltas – faz com que ele aprenda a lidar com as situações que não estão nas cartas náuticas. Um gestor experiente, que já tenha enfrentado crises e aprendido a lidar com elas, não será imune a erros – como não o foi o veterano Edward Smith –, mas provavelmente saberá o que fazer para evitar um naufrágio.
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